Wednesday, December 30, 2009

Lisboa, 26 de Dezembro de 2009

Olá Morgan

Como estás? Espero que bem...há tanto tempo que não tenho notícias tuas que nem consigo imaginar como está a tua vida. Calculo que já tenhas casado e pelo menos dois filhos...sempre foi assim que vi o teu futuro.
Tenho saudades de te ter por perto. O nosso entendimento sempre foi tão claro e fluído que nem precisava de te dizer as coisas. Talvez por isso me tenha lembrado de te escrever.
Uma pessoa amiga está no hospital, doente. Preciso de falar com alguém, desabafar e libertar-me um pouco deste ambiente pesado e nunca ninguém me ouviu melhor do que tu.
Está doente...do coração. Os médicos dizem que é uma hipertrofia do miocárdio. Descreveram-me o que se passava com uma série de termos técnicos, dos quais não fixei nem um décimo, mas a expressão que um deles usou ficou-me marcada na mente: "...o coração não tem força..."
Do pouco que pude entender, porque isto da Medicina nunca foi bem a minha área, o coração terá perdido a vontade de bater...está como que cansado, fatigado, exausto...algo que me faz confusão em alguém que viveu ainda tão pouco. Eu próprio tenho dias em que me sinto mais cansado, sem energia, mas sempre pensei que o coração era incansável, dono de uma vontade própria, e que bateria sempre com a mesma força, independentemente do nosso cansaço.
Dizem eles, os médicos, que as pessoas não são todas iguais e que, por isso, também há corações com mais vontade de bater do que outros. Custou-me acreditar no que estavam a dizer. Corações sem vontade de bater?!? Isso não faz sentido!
Com ou sem vontade de bater, faz-me confusão o seu corpo deitado na cama do hospital. Dói-me ver o seu olhar apático e distante, constantemente focado em coisa nenhuma, perdido. Parece-me mais que foi a cabeça que perdeu a vontade de viver.
Tenho pensado muito, tentando entender o que leva alguém a este estado de letargia, de falta de esperança, que faz com que o seu coração perca a vontade de bater. Lembro-me de ver o seu sorriso solto e livre, os olhos brilhantes e felizes, a conversa alegre. Lembro-me das brincadeiras constantes, das risadas, da animação. Sempre que estávamos juntos era festa na certa.
Quanto mais me lembro destas recordações, mais absurdo me parece o seu corpo inerte, num quarto branco asséptico, com fios que lhe medem a pulsação frágil e uns tubos transparentes pousados nas narinas. O ritmo pausado e lento do "cardiometer" parece desacelerar a minha própria pulsação...o meu próprio coração.
No meio de tudo, o que mais me custa é a minha total impotência perante a fraqueza do seu coração. Gostaria de, de alguma forma, fazer com que aquele coração voltasse a ter vontade de bater, de lhe poder devolver a vontade de viver, de o animar e entusiasmar!
Sempre me ouviste tão bem...

do teu amigo

W

P.S.: Uma carta tem a magia das palavras escritas à mão!

No comments: