Monday, March 27, 2006

Tundra

Vou galgando esses montes e planícies, o mar como destino. Os pés feridos pelas pedras que amortecem o andar e os tornozelos arranhados pelas silvas e cardos que me aconchegam as pernas. Estou morto de sede e fome. Cada passo ressoa-me em todo o corpo como uma pancada seca que me amassa os músculos.
Arrasto as botas rôtas e com as solas desfeitas pelo meio da serra. Sinto no ar o cheiro salgado da maresia, imiscuído com o aroma forte das urzes e dos dentes-de-leão. O cajado, nobre companheiro com a ponta gasta e o cerne rachado, geme a cada solicitação de apoio.
Os ossos ressentem-se com o frio e a humidade, e a barba crescente alberga os poléns e o pó que se esfuma da terra que piso. O cabelo despenteado pelo vento cortante, arrepia-se com o frio da nortada. Aperto o casaco, tentando proteger-me da chuva miudinha que começa a cair. A unica carícia que tenho sentido na face nestes ultimos tempos.
Aqui e ali vejo pequenas casinhas com as suas chaminés fumegantes, respirando o fogo crepitante que aquece os sertões onde fervem as sopas. Ninguém me convida a entrar. Preferem ignorar-me. Prefiro ignorá-los também. A sensação de que o faço por escolha própria disfarça-me o toque áspero da indiferença.
Não lhes interessa a minha jornada...têm que se preocupar com a deles. Aperto o chapéu contra a cabeça, agarro as abas do casaco e olho em frente. Ainda me falta um bom bocado...

3 comments:

Anonymous said...

Esta narrativa é de abrir o apetite! Venha mais!

Maria Carvalho said...

Olha...está bestial!!! Adorei!

Salseira said...

Os caminhos que cada um de nós tem de percorrer são mesmo para ser feitos a sós... não necessariamente em solidão.