Monday, January 23, 2006

O Coleccionador de Estrelas

Sopra aquele vento fresco de final de Verão. As ruas estão desertas, despidas de gente. Aqui e ali rolam jornais velhos, folhas secas e poeira. Caem as primeiras chuvas, enlameando as estradas e passeios e desbotando a tinta das casas.
Não me preocupa que me molhem. Não quero saber, não estou preocupado com isso. Continuo de porta em porta, espreitando pelas fechaduras, pelas janelas e pelas frestas das paredes. Pulo cercas, deambulando pelo meio dos quintais, incógnito, aspirando o fumo das chaminés como que procurando um odor diferente. Como cão de caça, vou farejando cantos e recantos, becos e vielas, passeios e sarjetas. Aqui e ali perco o rasto e só alguns metros à frente o consigo retomar.
Confundem-se os odores da cidade com os perfumes das pessoas e o roncar dos carros e das fábricas com os murmúrios e lamentos dos poucos transeuntes que ainda vagueiam por aqui, arrastando-se pelas avenidas cinzentas e nebulosas da insalubre metrópole. O movimento entorpecido das pernas faz arrastar o corpo num deslizar melancólico e triste, disfarçado pela bruma envolvente que abraça os ossos chocalhantes como um saco de berlindes.
E, no entanto, sigo compulsivamente, determinado e decidido no encalço dessa misteriosa essência etérea de aromas doces e tímidos, que se esconde por detrás de uma frágil valentia, que se dissipa com um sopro de vida.

5 comments:

Anonymous said...

Belo texto! Parabéns!

Maria said...

A busca que dum modo ou doutro todos fazemos durante o nosso trajecto de vida... Tão belo a maneira como o descreves... :)

Beijinhos

Caiê said...

Já leste "O perfume" ? Ias gostar... :)

Maria Carvalho said...

É bom coleccionar estrelas...quanto aos outros dois textos, no comments. Beijos

Salseira said...

Caiê,

Enquanto li o texto dele também me fui lembrando de "O Perfume"!! :)

Bitchoman,

Acho que ias mesmo gostar desse livro!